Dia 11

Nova York, dia 11

Jon acordara pouco antes das 6h da manhã. A boca seca denunciava a leve ressaca, resultado da noite anterior. Abriu os olhos com cuidado e, virando-se, sentiu o corpo quente ao seu lado. Levantou juntando toda a coragem que tinha e dirigiu-se ao banheiro. Enquanto mijava tentou relembrar os últimos passos.

Saíra sozinho para tomar um único copo antes de ir para casa, mas entre um gin tônica e outro, ligou para Alicia. Abriu o chuveiro, precisava de uma ducha para voltar a sentir-se gente. A água quente abria seus poros e trazia a memória de volta. 

Ao telefone, Alicia disse que estava ocupada, mas que poderia passar em sua casa depois das 22h. Ainda eram 19h e, contrariado, disse que não iria. Ela simplesmente concordou. Três doses depois ele estava às 22h10 tocando a campainha da casa de Alicia.  

Ele saiu do chuveiro molhando tudo ao redor, sabendo que isso a irritaria. Não se importou. Pensava, ao vestir-se, que deveria comprar uma camisa antes de ir ao escritório, porém, qual o sentido? Ao terminar, parou um momento no batente da porta e olhou para o corpo da mulher ainda adormecida. 

Admirou-se com o quanto ela era linda e com o quanto parecia indefesa. Sorriu pensando que ela, provavelmente, lhe daria um soco se a chamasse de indefesa. Estavam juntos há um tempo. A conhecera em um dia qualquer num bar qualquer que havia ido com colegas da firma. Enquanto esperava no balcão ela chegou e lhe ofereceu uma bebida. Sua audácia o desarmou. Ela o olhava firme e repetiu a pergunta. Como não aceitar? 

Ela era de estatura mediana, pele morena, cabelos curtos, olhos tão escuros que pareciam dois buracos negros naquele rosto tão pequeno. Ali, parado na entrada do quarto, pensou que deveria ter imaginado que não se sai ileso ao mergulhar em buracos negros. 

Porém, ela não era seu perfil de mulher. Ele se acostumara a mulheres lindas, esguias e dóceis nos seus últimos anos. Ele, que nunca fora o capitão do time quando jovem, tinha se tornado um homem bonito e a bem sucedida carreira o possibilitara circular por ambientes prestigiados que lhe punha em contato com mulheres lindas, esguias e dóceis.  

Alicia não era dócil. Dona da própria vida, fazia o que e quando queria. E Jon não estava nem entre as cinco prioridades dela. Ele sabia disso. E gostava. Gostava de saber que ela era esse indivíduo livre, ainda que isso o assustasse às vezes.  

Tomou um gole de café e pensou que, no fundo, queria ser ela quando crescesse.  

Alicia se mexeu na cama, ocupando todo o espaço vazio. Jon pensou por um instante em despir-se novamente e voltar quietinho para a cama. Virou as costas e saiu do apartamento antes que o pensamento se tornasse por demais tentador. 

7h09

Jon entrou no taxi, deu a direção e voltou a perder-se. Percebeu que aparentemente somente uma mulher ocupava sua mente e que talvez isso fosse um problema. Resolveu deixar esse pensamento de lado para não se irritar e pensou no dia que teria pela frente.  

Aos 29 anos era o mais novo sócio de uma importante firma de advocacia. Sua facilidade com pessoas e em identificar o que cada um esconde fez com que progredisse rapidamente na empresa. Agora era alguém e com isso aumentava sua responsabilidade.  

Parou em frente ao imponente prédio, com suas janelas de vidro, deixou uma generosa gorjeta, comprou a tal camisa ao lado e entrou. Centenas de pessoas se aglomeravam na porta dos elevadores, que mesmo sendo muitos, subindo em dezenas intercaladas, não escoavam o mar de gente. Jon entrou finalmente em um deles, apertado, ouvindo conversas desconexas e, somente por um segundo, desejou estar novamente na cama com Alicia. 

Chegou em sua mesa, ligou o computador e enquanto esperava a eternidade foi pegar um café. Beijou Andira, a senhora de ascendência latina que era copeira, disse que ela estava particularmente linda naquela manhã e a pediu, pela milésima vez, em casamento. No que, como sempre, Andira lhe respondeu que era areia demais para o caminhãozinho dele, em gracejos tradicionais tão particulares que ninguém mais compreendia.  

O dia prometia ser longo, cheio de processos maçantes e uma rotina esmagadora. Ele estava cansado, imaginou que fosse por conta das poucas horas dormidas e do sexo que, com Alicia, o deixava esgotado. 

8h45

Jon continuava sem nenhuma concentração. Outro café para tentar. Segurando a fina xícara, Jon parou em frente à janela.  

Perguntou-se o que estava fazendo ali, preso no alto de um arranha-céu. Pensava em Alicia e entristeceu-se ao pensar o quão pouco sabia sobre ela e ainda assim ela já era tão cara a ele. Sabia que era um pouco mais velha, que não era estadunidense, que crescera em tantos países distintos que ele sequer sonharia em conhecer, que em algumas noites acordava confusa e chorando, desviava de seu abraço, respirava fundo e sorria um sorriso melancólico antes de voltar para a cama. 

Jon olhou para fora, para o céu e pensava que queria ser como Alicia quando crescesse. E, com o ecoar do nome dela, o mundo explodiu em um clarão. 

                                                                           ***

Santiago, dia 11

Sofia era uma garota alegre. No alto dos seus 16 anos sentia-se adulta. Tivera um infância tranquila, entre seus pais e seu irmão mais novo. Sua mãe era advogada e o pai professor. Em casa, ao contrário do que acontecia com seus amigos, não havia segredos e nunca a trataram como uma miúda estúpida. 

Lembra-se de adormecer desde muito nova no colo do pai depois dos corriqueiros jantares que ocorriam com os amigos deles. Depois de comer, os adultos sentavam-se em volta da mesa e entre cigarros e garrafas de vinho discutiam o mundo, ou seja, literatura, política, economia e, quiça, corações partidos. 

Sofia gostava de ouvi-los mesmo que não entendesse muito à princípio. Com o tempo foi aprendendo, lendo, estudando e suas opiniões, por mais inocentes que fossem, eram escutadas e debatidas.  

Na noite anterior sua casa estava cheia, como sempre, mas Sofia estava um pouco chateada. Sofria de uma pequena desilusão amorosa tipica de adolescente. Seus pais foram empáticos e ela subiu para o quarto. Seu pai foi logo depois, sentou-a na beirada da cama e começou a pentear seus cabelos como fazia quando era criança enquanto tentava saber o que exatamente estava acontecendo.  

Ele fez uma longa trança e vendo que ela não queria falar, lhe deu um beijo e a chamou de indiazinha. Sofia sorriu. Ela era exatamente como o pai. Pequena, pele morena, olhos negros. O irmão Carlo, desde pequeno, via-se que puxara a mãe com sua pele branca como o leite e olhos azul celeste.  

Quando menina, Sofria se ressentia das cores da mãe e queria ser como ela, a mulher mais linda da face da terra. Um dia, quando o pai a chamara de indiazinha, Sofia brigou com ele e disse que não queria ser uma indiazinha pequena e frágil. 

Seu pai afastou-se, mas não respondeu. No dia seguinte à chamou a biblioteca e lhe entregou um pequeno livro de capa amarela. Ela devia ter uns 10 ou 11 anos. E disse que se depois de ler aquilo ainda se achasse pequena e frágil e se aborrecesse  por seus antepassados, nunca mais diria nada. Sofia leu em três dias, entregou o livro de volta ao pai e pediu desculpas. Ele sorriu, devolveu o livro a ela dizendo que agora lhe pertencia e a chamou carinhosamente de indiazinha. 

Apesar de ter ido para a cama cedo, Sofia não dormiu bem, acordando de tempos em tempos com os barulhos do andar de baixo. Acordou pouco antes das 6h e se preparou para o colégio. Seus pais estavam na mesa, evidentemente cansados de uma noite em claro, ouvindo concentrados os sons que vinham do rádio com alguns amigos. Ela podia ver que esperavam más notícias, mas lhe deram bom dia e pediram para arrumar o irmão e juntos irem para a escola. 

7h50

Sofia saiu de casa segurando Carlo pela mão. A escola ficava um pouco longe, mas gostava dessa caminhada matinal. Eles costumavam contar cada flor, árvore e pássaro do caminho, tanto que já sabiam de cor tudo o que havia no entorno de casa.  

Ela levava, orgulhosa, duas tranças nos negros cabelos, enquanto o irmãozinho contava curioso tudo à volta com seus lindos olhos azuis. Os pássaros não cantavam nessa manhã, tudo estava quieto. 

15h30

O dia havia sido pior que a noite. Todos na escola pareciam preocupados, mas ninguém falava nada. Sofia queria saber e aguardava ansiosa a hora de voltar para casa. Chegando, tudo estava em polvorosa. Lembrou-se do dia que perguntara porque sempre tinha tanta gente entrando e saindo e sua mãe sorrindo lhe respondeu que a casa deles era como um quartel general onde os heróis se reuniam para decidir como salvar o mundo. E Sofia acreditou, afinal, aqueles seus heróis estavam construindo um país novo que seria de todos.  

Nessa tarde quieta, ao perguntar o que estava acontecendo um amigo da família lhe disse que tudo, tudo o que vinham construindo ruíra. Que o país lhes fora tomado, que não mais lhes pertencia. Sofia quis não entender, mas entendera bem demais. O ciclo voltava a se fechar novamente para despedaçar a esperança. 

As horas passavam, Sofia tentava distrair Carlo ao mesmo tempo que tentava pescar mais notícias. Tudo piorava. 

22h33

A casa estava mais quieta do que já esteve em muito tempo. Seus pais sentados na mesa da cozinha, os cigarros acesos, os copos vazios. Velavam em silêncio a morte do sonho construído solidariamente. Sofia não queria dormir, mas foi para a cama pensando que o amanhã traria boas novas e só o que tinham que fazer era continuar lutando. 

Antes que dormisse, seus pais entraram no quarto. Agradeçam pela mulher forte que ela estava se tornando e desejaram uma boa noite para sua indiazinha. 

4h44

Sofia acordara com um estrondo, como se a casa estivesse caindo. Sentou-se atordoada e sentiu cheiro de fumaça. De um pulo, correu para a porta para ver que estava trancada. Sem pensar duas vezes, abriu a janela e se precipitou. O sobrado era alto, mas podia sair tão bem pela janela quanto pela porta, heranças de uma criança arteira. 

Sofia andou pela rua de trás e, ladeando a casa, viu tudo em chamas. Correu e num turbilhão perguntava-se onde estavam seus pais, quem e por quê a trancaram no quarto, por quê a casa estava pegando fogo.  

Onde estava o seu irmão? 

Sofia via os carros parados em frente a casa escondida atrás de uma árvore que tanto fizera parte de suas contagens. Uma criança chorando foi jogada num porta-malas. Dois corpos arrastados e jogados em outro carro. 

O fogo ia engolindo seu quarto, seus livros, sua vida. Sofia começou a correr de encontro a casa, porém a jovem indiazinha entendia bem demais o que estava acontecendo. 

Enxugando as lágrimas que, rebeldes, insistiam em cair, Sofia deu as costas ao seu quartel general e sorrateiramente desapareceu nas ruas lúgubres da cidade procurando por seus heróis.  

Não-lugar

Era mais um fim de tarde em mais alguma cidade qualquer do mundo. Ela percorria a rua sem pressa, um caminho diferente e familiar. Uma rua larga com seus carros, motos e pessoas correndo no vazio. De onde vinham? Para onde iam? De quem fugiam?

Todas as cidades são iguais em suas diferenças. 

Ela olhava diretamente naqueles rostos que passavam e que desviavam o olhar dessa estranha estrangeira. Estava marcado em sua pele, na cor de seus olhos que ela não pertencia àquele lugar e, ainda assim, ela atravessava as esquinas como se soubesse aonde ia. 

Ela caminhava pelo parque de árvores não planejadas, tomando no gargalo uma bebida qualquer, amassando as folhas com os pés em um ensolarado dia frio. Sentava-se e acompanhava melancolicamente os esquilos escalando e as crianças jogando futebol ao entardecer. 

Ela andava por penhascos de um país construído em pedras calcárias, de vestido florido no calor sufocante, dourada pelo sol na cor de seus ancestrais, ouvindo o mar rugindo em violência e sentindo o cheiro de sal. 

Levantava de madrugada no trem atravessando fusos horários, com sua caneca e o saquinho de chá, entre pessoas dormindo um sono entrecortado, para observar o negrume impenetrável do lado de fora da janela. 

Ela caminhava longas horas entre bosques de parreiras secas tão concentrada em colocar um pé diante do outro, tentando gravar cada nuance do percurso que se esquecia de pensar, reparando tempos depois que pela primeira vez meditou no silêncio do Camino. 

Era ela quem fazia os próprios passos entre arranhas-céus e muralhas, entre o passado esquecido e o futuro histórico. 

Ela era quem escolhia quem ser em cada canto, ora a garota tagarela no balcão do bar, fazendo amizade com o garçom, ora sentada quieta no alto da montanha aos pés de Budha, rechaçando toda e qualquer companhia mesmo estando cercada de pessoas com boas intenções.  

A solidão lhe deu escolhas. O desprendimento lhe deu escolhas. O desconhecido lhe deu escolhas. O medo lhe deu escolhas. 

Depois de tantas coisas, tantos cantos, tantos contos ela soube que em seu caso ir não era uma opção. Ir era condição primordial. Era o movimento que lhe sustentava, tão essencial quanto o próprio ar que respirava. 

E, como só a distância e o tempo podem demonstrar, descobriu que caminhar mais uma vez pelo viaduto tão conhecido não é de fato um retorno ao princípio. É, tão somente, mais um movimento. 

Não é nada mais do que a continuação do próprio caminho.   

Massacre de Srebrenica

Holanda é responsável por omissão no massacre de Srebrenica, diz tribunal

http://elpais.com/brasil/2017/06/27/internacional/1498555212_451300.html

Acho que já contei essa história, mas me lembro de um professor, não lembro quando qual nem em que escola, contando sobre o massacre bósnio. Ele nos dizia que as pessoas esperavam nas esquinas para atravessar as ruas, assim tinham menos chances de serem mortas por um atirador. Estavam em grupo, alguém morria, mas aumentavam as chances de saírem vivos.

Eu nasci em 1988. A guerra começou em 1992 e terminou em 1995. Quando ouvi essa história eu devia ter uns 12 anos, portanto era extremamente recente isso. 

Quando estive em Sarajevo tudo me marcou. 

As marcas de tiros nas paredes, os relatos, as lembranças. 

Ao lado da Igreja Matriz tinha uma exposição sobre uma cidade no norte do país de nome complicado. 

Srebrenica. 

Entrei um dia sem saber muito. Era uma exposição pequena. Muitas fotos, alguns vídeos. 

Chorei. 

Saí com a retina gravada com aquelas imagens de desolação. Era de um jornalista que viajou para essa cidade logo após o massacre. 

Aconteceu quase no fim da guerra, em 1995. Srebrenica era considerada uma zona neutra, tinha uma base dos Capacetes Azuis da ONU, portanto muitos bósnios muçulmanos fugiram para essa área para se proteger. Um dia o exército sérvio cercou a cidade e deu voz de comando aos Capacetes Azuis para que entregassem os muçulmanos que haviam se abrigado dentro do complexo. O que eles fizeram, os protegeram? Não. Eles abriram os portões e mandaram todos os bósnios saírem.  

Esse episódio é conhecido como Massacre de Srebrenica. 

O exército sérvio separou todos os homens e meninos da região e os fuzilou. 

Mais de oito mil bósnios muçulmanos foram assassinados em dois dias no único episódio de genocídio reconhecido mundialmente desde a II Guerra Mundial.  

Posso tentar entender que os Capacetes Azuis estavam em menor número, mas é só perguntar para os sobreviventes para saber que a ação deles na Guerra da Bósnia foi absurda e criminosa não somente neste episódio. Por exemplo, Sarajevo é uma cidade encravada em um vale e a única parte que não estava sobre controle sérvio passava pelo aeroporto que estava sob poder da ONU. Os bósnios tentavam fugir e buscar ajuda durante a noite, com o terreno cercado por atiradores e os vigias da torre do aeroporto quando viam alguém se aproximando jogavam o facho de luz sobre eles, o que facilitava em muito a vida desses assassinos que dessa forma tiraram a vida de centenas de pessoas.  

Então, passar por cima da imunidade diplomática da ONU e fazer com que reconheçam a responsabilidade que tiveram nesses assassinados é um fato a ser comemorado. 

Volta

Foram 20 meses.

Foram 592 dias. 

Foram 15 países.
 

Foram 2 continentes. 

Foram 12 línguas.

Foram 12 formas de dizer bom dia, me desculpe, com licença e muito obrigada.

Foram memoráveis dias de sol.

Foram incontáveis dias de chuva.

Foram noites de lua cheia.

E uma enorme lista com os mais lindos pores do sol da minha vida.

Foram, em menor número, belos amanheceres.

Foram horas ininterruptas de caminhadas.

Foram quilos carregados na mochila.

Foram itens de bagagem deixados pelo caminho.

Foram eternidades de dor.

Foram banheiros sujos e camas desfeitas.

Foram danças, sozinha e/ou acompanhada.

Foram encontros com ratos do tamanho de filhotes de gatos.

Foram comidas exóticas.

Foram deliciosas surpresas ao paladar.

Foram tempos sem dinheiro.

Foram gastos bem feitos.

Foram incomensuráveis conversas aleatórias sobre a vida, o universo e tudo o mais.

Foram incontáveis gargalhadas, algumas sóbrias, muitas ébrias.

Foram amigos de longa data em poucos segundos.

Foram culturas distintas.

Foram pessoas amigáveis.

Foram lugares marcantes.

Foram momentos únicos.

Foram 20 meses.

Foram 592 dias.

Foram a vida toda.

   
                                                                              ***************************************

Tendo voltado há algum tempo tenho pensado muito sobre o porquê voltei. Porém tenho pensado muito mais sobre como voltei.

Voltar é muito mais complexo que ir. Na ida temos a adrenalina, a excitação, o novo, o desconhecido. A volta é um pouco insegura, é um pouco de medo do que reencontraremos, medo de nos decepcionar e decepcionar aos outros.

Todos imaginam o “glamour” da viagem, querem saber as grandes aventuras e os acontecimentos marcantes, mas o caminho tem pouca glória. Na verdade o que tem é muito mais auto-conhecimento, experiências inusitadas, epifanias delicadas. Voltamos calejados pela experiência e por isso mesmo mais completos.

Me vendo nesses 20 meses viajando sinto que me tornei um ser maleável, como a água que assume uma nova forma a cada diferente recipiente. Em cada lugar pelo qual passei eu adquiri novos hábitos, absorvi várias culturas, peguei um pouquinho de cada pessoa.

E penso que hoje eu tenho mundos dentro de mim.

É como se eu expandisse até me tornar do tamanho do universo.

Voltar é como tentar contrair.

É como tentar espremer o universo inteiro no espaço de um corpo.
Em outra analogia, é como se todos nós fossemos peças de um quebra-cabeça. Quando parti deixei um espaço vazio enquanto todos continuavam em seus lugares. Era perceptível o buraco onde antes eu costumava estar, mas o quadro geral se mantinha mesmo sem mim, o desenho continuou visível ainda que com uma peça faltando.

Agora, voltei abarcando o mundo dentro de mim.

Como encaixar se mudei de forma? Me pergunto isso, pois sei que é impossível ter a mesma forma de antes e caber exatamente no mesmo lugar.

Nós tentamos caber. Tanto eu quanto os que me cercam.

Mas, não mais que de repente, tenho o mundo dentro de mim.

Sendo ambígua e contraditória:

Eu sei que fiz a coisa certa em voltar.

Eu sei que um dia eu irei novamente.

Eu sei que tenho dentro de mim mundos em número menor do que eu gostaria de ter.

Eu sei que tenho espaço para todos os possíveis e imagináveis mundos.

E, também sei que o que vivi e tenho vivido foi só parte do todo.

Tem mais, muito mais…

     

                                                                                                       ***
São quase 4 meses.

São 109 dias.

É o acolhimento da família.

É a festa dos amigos.

É a rotina.

É o dia a dia.

É o lar. 

Dos lugares: Moscou

Escrever sobre a Rússia não é uma tarefa fácil. Tanto pelo o que vivi nesse país como pelo o que a própria Rússia representa. 

Primeiro, por ser a gigantesca terra de Lenin, Trotsky e tantos outros. Terra que teve lugar uma das mais importantes revoluções da Era Moderna, pois mesmo aqueles que torcem o nariz para a União Soviética têm a obrigação de reconhecer a grandiosidade do que foi a Revolução Russa. 

E, afinal, o que foi a Revolução Russa? 

Para explicar, mesmo em pouquíssimas palavras e de maneira simplista, precisamos voltar um pouco antes da Revolução de Outubro de 1917.  

No final do século XIX, enquanto a Europa vivia a pleno vapor a Revolução Industrial e a consolidação das classes sociais antagonistas oriundas do desenvolvimento do sistema capitalista, a Rússia vivia sob o julgo de uma monarquia absolutista, com relações sociais equivalentes ao sistema feudal. Sendo que maior parte das terras produtivas estavam nas mãos da nobreza e do clero, a população vivia em regime de servidão e na extrema pobreza. No começo do século XX, incentivou-se a entrada de capital estrangeiro, o que ajudou em um processo de industrialização (ainda que tardio), gerando e fortalecendo um grande contingente de operariados urbanos e o contato com as teorias sociais que floresciam na Europa. 

Com o envolvimento do país na I Guerra Mundial, a situação da população russa piorou de forma drástica, a crise de abastecimento e pesadas baixas no exército russo suscitaram greves e revoltas generalizadas. Em fevereiro/1917, finalmente o tsar foi deposto e um governo de cunho “liberal” ocupou o governo. Oito meses depois, os bolcheviques sob a liderança de Lenin desencadeiam a Revolução de Outubro e instauram um governo socialista. Claro que não seria fácil a constituição do governo e o país mergulhou em uma guerra civil que durou até 1921, com a vitória do Exército Vermelho sob a batuta de Trotsky.   

Após o fim da guerra civil, o país estava devastado. A produção industrial praticamente inoperante e o campo sobrecarregado pelos esforços de guerra. Lenin aplica um plano de recuperação econômica, em que mantendo o controle das indústrias de base e do sistema bancário, abre o país para a economia de mercado em um “capitalismo de estado”. 

Lenin morre em janeiro de 1924 e uma guerra interna pelo poder começa. Os principais “candidatos” eram Trotsky, que via a necessidade de uma revolução mundial para que se alcançasse o comunismo, enquanto Stalin, burocrata por excelência, defendia o fortalecimento da economia e do governo interno russo.  

Bom, todos sabemos quem venceu. Stalin assumiu o poder, exilou Trotsky (depois mandou assassina-lo) e atuou ferozmente contra seus opositores, transformando a URSS em algo muito distante dos sonhos revolucionários.  

Independente disso, a transformação social que ocorreu na Rússia nos primeiros anos da Revolução não pode ser ignorado: coletivização da terra, industrialização e modernização de técnicas agrícolas, desenvolvimento de ferrovias, educação e saúde universais, igualdade de direitos entre gêneros, instituição de políticas públicas voltadas às mulheres, como creches e cozinhas coletivas e a legalização do aborto (mesmo que tenha sido depois revogado por Stalin, é importante salutar que a Rússia foi o primeiro país no mundo a reconhecer o aborto como questão de saúde pública e a fornecer meios seguros e legais para as mulheres). 

Em segundo lugar, sempre tive uma queda pelos escritores russos: os contos de Tchekhov e Gogol, o cosmopolita Turguêniev e os mais que geniais Dostóievski e Tolstoi. Ao lê-los, o caráter e personalidade russas me intrigavam e, pode ser loucura da minha cabeça, mas sempre vi uma certa similaridade conosco, brasileiros. Claro que guardadas as devidas diferenças histórias e sociais, consigo ver algo em comum entre os vícios e paixões dos personagens russos e os clássicos personagens brasileiros (que o diga o excelentíssimo Dom Casmurro, os olhos de cigana oblíqua e dissimulada de Capitu ou as decisões de Anna Karenina). 

Por isso, conhecer esse país de tantas contradições sempre foi um objetivo, meio que relegado a um segundo plano, mas ainda assim um objetivo.  

Quando surgiu a ideia de ir para a Rússia foi como um estopim e decidi ir independente de qualquer coisa. Em pouco tempo entrei em contato com um Hostel em Moscou e após a aprovação fui moldando meus planos indo para o leste para facilitar as coisas. 

E, enfim, aterrissei em Moscou. 

Logo no primeiro dia fui com uma das meninas que trabalhavam no Hostel na Red Square. E o mais engraçado era a cara dela vendo a minha reação. Eu olhava para o Kremlin, a Basílica de São Basílio e o Mausoléu de Lenin sem acreditar que estava ali. Acho que foi a mesma reação que tive ao ver o Big Ben pela primeira vez. São aqueles lugares chaves da existência, que povoam nossos sonhos e parecem irreais quando nos deparamos de verdade. Moscou é uma cidade enorme, caótica como todas as grandes metrópoles, cheia de vida e atividades e me descobri dias sem fim caminhando, observando a largura das ruas e a grandiosidade de seus prédios.  



Quando dizia que ia para a Rússia as pessoas me alertavam que os russos eram frios, antipáticos, grossos, violentos e que ninguém falava inglês. A sentença mais correta é a última, pois eles realmente não falam nada além da língua materna. Primeira vez que fui ao Kremlin fui ao posto de informações tirar algumas dúvidas sobre os ingressos. Questionei a funcionária em inglês, ela me disse um monte de coisa em russo e me entregou um folheto. E é assim, no posto de informações do Kremlin não se fala inglês. Talvez tenha sido azar o meu, ela estava de mal humor ou o que seja, só sei que foi assim… Tirando que quando falamos com alguém, eles respondem em russo, então fazemos aquela cara de interrogação e eles começam a repetir a mesma coisa, mas gritando. Como se automaticamente passemos a compreender russo quando eles falam mais alto, quando na verdade o único efeito era me deixar nervosa, fazendo com que esquecesse até as poucas frases que tinha aprendido. 

Não posso negar que os russos são complicados. Eles não são de sorrir e não fazem o mínimo esforço para serem agradáveis.  

Mais duas anedotas: 

Estava com uma amiga argentina no guichê do metrô para carregar o bilhete. Ela disse meio em russo meio em mímica o valor que queria. A mulher no guichê começou a falar um monte de coisa e minha amiga com cara de paisagem, sem entender nada. A mulher desistiu, carregou o bilhete e bateu a persiana do caixa na cara dela. Quando vimos, a mulher tinha carregado um valor absolutamente nada a ver com o que minha amiga tinha pedido.  

Outro dia fomos a um museu com um amigo francês que escreve para guias de viagem. Na entrada, como é uma pratica comum em vários lugares, ele mostrou a credencial e perguntou se tinha algum desconto devido ao trabalho dele. A funcionária olhou para ele e disse o valor integral do ingresso. Ele tentou explicar novamente. Ela respondeu com o valor integral do ingresso. Ele aceitou que não teria nenhum benefício, então perguntou se ao menos ela teria um sorriso. Ela respondeu com o valor integral do ingresso.  

Algo que me passou muito pela cabeça é como eles irão fazer para receber os turistas Copa do Mundo em dois anos. Fico pensando nos hermanos argentinos, por exemplo, depois de umas doses de vodka sendo tratados com rudeza. A menos que os russo melhorem, isso não vai prestar!!!! 

Portanto, esse é sim um comportamento comum de se encontrar no cotidiano. Por outro lado, após passar um tempo com eles percebe-se que podem se mostrar receptivos, generosos, gentis. Talvez por ter passado meses em Malta e nos Balcãs, eu tenha ficado vacinada desse tipo de comportamento mais rude do que estamos habituados.  

Voltando a falar na cidade, ela é linda. Parques enormes e uma bela arquitetura. Por estar trabalhando no Hostel fui repetidamente em vários lugares turísticos. Visitei tantas vezes o Mausoléu de Lenin que quando eu chegava ele me perguntava como eu tinha passado a noite e se aceitava um cafezinho. 

É surreal ver o corpo do maior líder soviético parecendo um pequeno boneco de cera. A câmara é toda de mármore negro, com uma luz avermelhada e gelada até não poder mais. Há regras: não se pode falar alto, tirar fotos, manter as mãos nos bolsos.  


O Kremlin é um conjunto de museus e igrejas ortodoxas rodeados de belos jardins. As igrejas são enormes e cheias de detalhes. Para ir no Armoury, o principal museu no Kremlin, é necessário comprar outro ingresso e eles têm hora marcada. Neste prédio está uma coleção de artefatos e relíquias russas, como armaduras, carruagens, jóias, mobiliário, roupas do clero e da realeza e coroas. É no Armoury que estão os famosos Easter Eggs de Fabergé, que possuem uma delicadeza impressionantes. 


Os russos são, de forma geral, muito orgulhosos de sua história e de suas conquistas. Isso é visível nas centenas de monumentos espalhados pela cidade e no simbolismo de sua arquitetura. Um dos grandes marcos são as 7 Sisters, sete arranha-céus construídos a mando de Stalin para abrigar os meandros da burocracia soviética.  

Outro símbolo disso é o Cosmonautic Museum, uma ode às conquistas espaciais. Nele é possível acompanhar a evolução da tecnologia soviética que foi tão desafiante para os arqui-inimigos ianques. Esse museu fica em frente ao VDNKh Park, um centro de convenções onde há um pavilhão para cada uma das nações que compunham a URSS e a famosa Fonte da Amizade dos Povos. No verão, ao menos, o parque fica lotado aos fins de semana e sempre tem algum tipo de show ou evento.  


Uma das minha maiores surpresas foi conhecer as Tretyakov Galleries. Tretyakov foi um rico colecionador de arte russa que acreditava que essa mesma arte deveria ser compartilhada com quem de direito, o povo russo. Ele então comprou uma imensa propriedade, alocou toda a sua coleção e abriu as portas. Quando da Revolução, a Galeria foi incorporada pelo governo, que continuou a acrescentar novas aquisições. Hoje a coleção é dividida entre Tretyakov Gallery, onde estão obras do século XII ao início do século XX e a Tretyakov Modern Art, que abrange o século XX e a arte contemporânea.  

Quando vamos a galerias de arte ao redor do mundo há um eurocentrismo evidente em todas as coleções e quase não vemos nada que fuja disso. O que é um enorme desperdício, diga-se de passagem. A arte russa não deixa nada a desejar aos grandes pintores mundiais. É possível ver a influência dos movimentos artísticos europeus em obras que são essencialmente russas, transbordantes de suas particularidades. Na Modern Art é fascinante ver a mudança de estilos que acompanham o passar dos anos e suas alterações histórico-sociais, de um começo de século XX influenciado pelas escolas europeias, para o extremo realismo soviético e a posterior ruptura com o enfraquecimento do regime. Para todo e qualquer sociólogo chato em que a arte é uma manifestação das estruturas sociais, é um deleite acompanhar essa linha do tempo em forma de quadros e esculturas.  


Mas o que mais me encantou em Moscou são suas estações de metrô, que são verdadeiras galerias de arte subterrâneas. Tudo é grandioso, da arquitetura aos mosaicos e esculturas. A malha metroviária foi construída durante o regime soviético por trabalhadores para trabalhadores. No todo é uma homenagem ao operariado, camponeses e artistas que moldaram a nação.  


Enfim, eu morei um mês em Moscou e não suficiente para ver e viver metade do que eu gostaria.  

Como disse antes, fui para lá para trabalhar em um Hostel. Nesse ponto eu já havia passado por todas as escalas de trabalho possíveis, como limpeza, arrumação, recepção. Mas neste a proposta era completamente nova: minha função era entreter os guests. Conversar com eles, fazer programas juntos, unir viajantes que estavam sozinhos, tirar fotos, cuidar das redes sociais, organizar jantares e eventos.  

E isso me pareceu o paraíso.  

Nos primeiros dias eu trabalhei com outra voluntária da Argentina e tudo correu muito bem, pois nos entendíamos perfeitamente e as coisas funcionaram. Depois de poucos dias ela foi embora e eu fiquei sozinha para realizar essa missão. Foi um período maravilhoso. Conheci pessoas incríveis, de países e culturas que até então nunca tinha tido nenhum contato.  


Foi um desafio enorme cumprir esse papel social, pois quem me conhece sabe que não tenho problemas para fazer amizade ou conversar com estranhos, com pouco incentivo, um olhar mais longo que seja, já desembesto a falar, mas sou um pouco introspectiva e demoro um pouco para dar o primeiro passo. Portanto, ter que fazer isso e conversar com todos, independente do incentivo (até porque, esse era o MEU papel) saiu completamente da minha zona de conforto.  

Nas duas primeiras semanas encarei e cumpri minha função com certa desenvoltura, mas depois eu comecei a sentir a tensão. Definitivamente eu não sou o tipo líder de torcida que está sempre animada e de bom humor. Em muitos momentos eu quero só ficar quieta no meu canto e precisa ser muito interessante para me tirar no meu mundo, porém eu não conseguia ficar nenhum minuto sozinha e tinha a obrigação de ser simpática o tempo todo. Tem alguma ideia da tortura que é me forçar a ser legal quando acordo, antes de tomar um banho e engolir alguns litros de café?!?! Por isso, depois de algum tempo tudo começou a parecer muito forçado. Eu continuei a trabalhar, mas não tinha mais o mesmo encanto de antes.  

Essa temporada de “líder de torcida” foi importante para eu ver que posso desempenhar esse papel se precisar, para eu perder a timidez, perder o medo de me sentir ridícula para as pessoas que não conheço. Foi como um exercício de personalidade e serviu para eu aprender que mesmo podendo ser, eu não quero ser legal o tempo todo.  

Resumindo em poucas palavras, por tudo que a Rússia representa e por tudo o que vivi nessa surpreendente cidade, meu tempo em Moscou foi algo único e uma das experiências mais importantes da minha vida.  

Dos Lugares: Budapeste

Budapeste é daqueles lugares que 10 entre 10 viajantes elegem como uma das cidades favoritas na Europa.

Parece saída de um conto de fadas e possui um romantismo único nas suas ruas e construções.  

Ela é cortada pelo Rio Danúbio, que a separa entre Buda, onde fica o Castelo de Budapeste e a Citadela, assim como o Monte Gerllert, sua enorme Estátua da Liberdade e uma vista única da cidade. É em Buda que estão as construções antigas e muitos dos monumentos históricos. 



Em Peste fica o lindo prédio em estilo gótico do Parlamento, em frente do qual tem uma das homenagens mais interessantes aos mortos da II Guerra Mundial: eternizado em aço pares de sapatos de alguns que foram mortos atirados no Danúbio. Em Peste também fica a Praça dos Heróis com suas muitas estátuas, a St. Stephen’s Basilica com sua centena de degraus para a torre, o Mercado Municial que se parece com o nosso em SP e possui um clima mais moderno, cheia de bares e restaurantes.  




Tudo isso separada por lindas e icônicas pontes. 


Então sim, Budapeste é uma cidade incrível que não deixa nada a desejar às grandes cidades europeias e ainda possui todo o charme do Leste Europeu. 

Dos lugares: Croácia

 O primeiro lugar que fui na Croácia foi a ilha de Brač, que fica mais ou menos no meio do país perto da ilha de Hvar, mais famosa por ser um lugar de festas e bares. 

 Brač é relativamente grande, mas como fui para trabalhar acabei ficando somente na cidade de Bol e não me arrependo, pois é nessa cidade que fica uma das praias mais famosas da Croácia a Zlatni Rat. Essa praia é formada por um braço de areia que adentra no mar, formando como que duas praias distintas de acordo com o vento: de um lado uma piscina perfeita para nadar, de outro ondas e ventos para esportes náuticos como windsurf e kitesurf.


Outra vantagem de Bol é o trekking que podemos fazer em Vidova Gore, a montanha mais alta das ilhas Adriáticas com 778m de altitude e de onde se tem uma vista privilegiada da praia de Zlatni Rat. 


A cidade em geral é tranquila, com bons restaurantes e praias bacanas para relaxar. 

O Hostel que eu trabalhei era ótimo. Tudo novo, organizado e limpo. Eu trabalhava de manhã na limpeza e arrumação e tinha a tarde toda livre. Foi uma experiência interessante. Eu era a única voluntária e fui bem paparicada pelos donos, como comida e bebida à vontade. Por outro lado, por eu não ter companheiros de trabalho, minha relação era somente com os guests. Estes pareciam saídos do reality show inglês “Made in Chelsea”, jovens recém-saídos da adolescência, com dinheiro, cujo único objetivo era passar o dia inteiro bebendo na beira da piscina. Então não, esse não é o meu terreno… Com um dos litorais mais lindos da Europa, qual a função de passar o dia todo na piscina?!?! 

Enfim… 

Split

Depois de ficar 2 semanas na ilha segui meu caminho, mas antes de ir para a Bósnia fiquei um dia em Split, a cidade continental que faz ligação com Brač e Hvar. 

Split é a segunda maior cidade da Croácia e o coração da Dalmácia. No ano de 293 D.C. o imperador romano Diocleciano mandou construir um palácio nessa região para viver quando de afastasse da direção do império, o que ocorreu em 305 D.C. O Palácio de Diocleciano é na verdade como uma cidade murada e é dentro de suas vielas e torres que se concentra a agitação da cidade.  


É possível subir na Torre do Sino e na Catedral, mas o mais interessante é percorrer as galerias subterrâneas do Palácio. Primeiro porque são galerias subterrâneas de um palácio de mais de 1.700 anos e segundo porque é Split é uma das locações de Game of Thrones e é onde a Daenerys prende seus lindos dragões. (I’m not a princess, I’m a Khaleesi). 

Dubrovnik

Um dos lugares mais famosos da Croácia é Dubrovnik e destino de 100% dos turistas que visitam o país e há bons motivos para isso. Uma cidade fortificada, encravada em uma encosta rochosa que deságua nas águas cristalinas do Mar Adriatico. Não a toa, Dubrovnik é conhecida como Pérola do Adriatico. 


Por esse motivo a cidade é bem cara para os padrões croatas, chegando a custar mais de € 30 a diária em quarto compartilhado perto do centro da cidade.  

O mais interessante na cidade é caminhar pelas vielas cheias de lojas e restaurantes e contornar a cidade caminhando pela muralha. As pedras encaixadas à perfeição, os diversos fortes e o mar quebrando embaixo valem a viajem. 

Hoje em dia, outra grande atração é o fato de que Dubrovnik foi cenário para várias cenas de Game of Thrones. É aqui onde foi encenada a Batalha de Porto Real e a Walk of Shame de Cercei. E sim, como fã, é um prazer passar por esses mesmo lugares. 

Zadar

Zadar, como outras tantas cidades croatas é dividida entre a murada Old Town e as belíssimas praias. É aqui também que é possível observar um dos mais lindos por-do-sol da Europa, segundo eu, Hitchcock e milhares de turistas. 


Na orla há duas construções arquitetônicas interessantes: o Sea Organ que são escadarias vazadas que emitem uma música única criada pelo movimento das águas do mar e o Greeting the Sun, que acumula energia solar e começa a brilhar suas luzes quando o sol se põe. 

Zagreb

Zagreb é a capital da Croácia e é uma cidade cosmopolita dividia em cidade alta e cidade baixa. É interessante caminhar pelas ruas, vendo as pessoas em suas atividades cotidianas. Depois de passar por tantos lugares de beleza impressionante na Croácia, tenho que admitir que Zagreb surgiu como uma cidade comum, mas que ainda vale perder um ou dois dias por aqui.

Dos lugares: Bosnia & Herzegovina

  Para quem colou na escola

Toda a região dos Balcãs passou por diversos tipos de dominação desde o princípio de sua formação: romanos, bizantinos, turcos-otomanos, austro-húngaros. A denominação Iugoslávia surge em 1918 como Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos que reuniria os povos dessa região, pois possuem formação e cultura em comum, mesmo que com definições religiosas diferentes entre si e assim permanece até 1941 com a invasão nazi-facista. Durante a guerra, o General Tito lidera a libertação Iugoslávia e transforma o então reino em uma República Socialista. Com o fim do bloco soviético, todos os países sob o julgo socialista entram em crise e isso não seria diferente com a Iugoslávia. Em 1991 Eslovénia, Croácia, Macedônia e Bósnia & Herzegovina declaram independência, mas o que se mostrou relativamente tranquilo com os três primeiros territórios, com a Bósnia & Herzegovina desenrolou-se uma sangrenta guerra. 

  A Guerra da Bósnia

A Bósnia é um país étnico e religioso extremamente complexo. Sua população é formada por bósnios (majoritariamente muçulmanos), bósnios-croatas (majoritariamente cristãos) e bósnios-servios (majoritariamente cristãos ortodoxos). Com a desintegração da Iugoslávia o povo bósnio votou em um referendo aprovando a independência da pais. Essa decisão não foi definitivamente bem aceita pela Sérvia e pelos sérvios que viviam na Bósnia e enquanto as resoluções para a definitiva separação ocorresse eram tomadas pelo governo, os bósnio-sérvios se organizaram militarmente na auto-proclamada Republica Srpska e ocuparam boa parte do território bósnio, uma vez que eram infinitamente superior militarmente e contavam com o suporte da Sérvia. A guerra durou 1.606 dias, matou mais de 200.000 pessoas, sendo 83% bósnios, 65% muçulmanos e 30% eram mulheres e crianças. Apesar do conflito ocorrer em todo o território bósnio, a situação mais emblemática foi o cerco a Sarajevo, que é considerado o mais longo da história moderna. Sarajevo é uma cidade encravada entre um anel de montanhas. O exército sérvio se posicionou nessas colinas, cercaram a cidade e bloquearam todas as saídas, enquanto atacavam com artilharia pesada a cidade. Mais de 12.000 pessoas foram mortas e 50.000 feridas durante os quase 4 anos de cerco. Para se ter imagem do que foi esse cerco o aeroporto de Sarajevo após alguns meses de conflito foi posto em poder da ONU para fornecer suprimentos ao povo bósnio, mas com toda região cercada pelo exército sérvio, centenas de pessoas morreram tentando chegar ao suposto território neutro (diz a lenda que as forças da ONU jogavam um feixe de luz nas pessoas que tentavam chegar no aeroporto, facilitando enormemente o trabalho dos snippers sérvios). Com isso as forças bósnias decidiram construir um túnel secretamente, que hoje é conhecido como túnel da esperança e que salvou inúmeras vidas ao possibilitar o fornecimento de comida, medicação, armas, etc.  

  Massacre de Srebrenica

Com o desenrolar do conflito um caráter de limpeza étnica foi ficando mais claro. Uma das intenções era de fato exterminar os bósnios-muçulmanos e isso fica extremamente claro com o massacre de Srebrenica.  

Essa é uma cidade ao norte da Bósnia que em julho/1995 foi tomada pelo exército sérvio. Com isso, a população buscou refúgio em um campo da ONU, mas que ao estar em desvantagem numérica e não ter resposta ao pedido de reforços, começou a forçar as milhares de famílias muçulmanas a saírem do local. Os sérvios então separaram por gênero e mataram mais de 8.000 homens e meninos muçulmanos, no único ato reconhecido como genocídio após a II Guerra Mundial.

  Minha passagem pela Bósnia & Herzegovina

Quando eu tinha uns 13/14 anos me lembro de um professor que nos contou sobre a Guerra da Bósnia que havia acabado fazia poucos anos. Ele nos dizia que a cidade estava cercada por atiradores e que os moradores da cidade esperavam juntar uma certa quantidade de pessoas para poderem atravessar as ruas. 

Dessa forma, se protegiam e aumentavam um pouquinho a chance de sobreviverem. 

Sobreviverem aos simples ato de atravessarem a rua. 

Isso ficou marcado na minha memória. Quando decidi ir para Sarajevo ver de perto o centro desse massacre era uma grande motivação. Cheguei e encontrei uma cidade em que as marcas da Guerra são recentes e profundas. Para onde olhamos há marcas de balas, prédios parcialmente destruídos. E ainda assim, é uma cidade surpreendentemente multicultural e viva. Em um mesmo quarteirão é possível ver uma mesquita, uma catedral, uma sinagoga é uma igreja ortodoxa. 

Em Sarajevo trabalhei por duas semanas em um Hostel e por isso tive a oportunidade de me perder a andar sem rumo pela cidade. É impressionante ver as marcas de balas em cada uma das construções da cidade e ver as pessoas passando por elas como se não fossem nada. Ou pisando em uma das Sarajevo Roses (intervenção artística feita nas cicatrizes de bombas estouradas pela cidade, pois ao pintar essas marcas de vermelho elas se parecem com rosas).  

E por coincidência do destino, estava na cidade no último dia do Ramadã, quando os muçulmanos saem às ruas com suas melhores roupas para comer livremente e comemorar. 

Em um dos primeiros dias fiz um dos tours do Hostel que é percorrer as montanhas em volta da cidade e as fortificações do período otomano. Dos pontos mais interessantes é visitar os cemitério judeu, que é o segundo maior da Europa e foi linha de frente durante o Cerco. E também estar exatamente onde os soldados sérvios ficavam nas montanhas e miravam e matavam tantas pessoas aleatoriamente foi uma experiência indescritível. 

Conversei bastante com um dos meninos que trabalhava para o Hostel, o mesmo que era o guia do tour. Ele tem 22 anos e nasceu durante o Cerco. Quando perguntei do que ele lembrava, me disse que não lembrava de quase nada de antes dos 5 anos de idade, mas que seus pais contam muitas das coisas que eles viveram. Sua família estava escondida em outro ponto da cidade e quando o Cerco acabou eles foram todos para a casa dos avós no centro da cidade. Passado alguns dias sua avó lhe deu uva para ele comer e ele começou a brincar como se fosse uma bolinha de gude. Ele nunca tinha visto uma uva e o único brinquedo que ele conhecia era a bolinha de gude, nada mais lógico do que confundir ambas. 

Outra coisa interessante e preocupante é que o conflito não é estudado na escola, pois como na escola há bósnios, croatas e sérvios acaba sendo um ponto de conflito entre eles.  

De toda forma, a cidade é absolutamente incrível, pois apesar de toda dor passada recentemente, a cidade continua vibrante e intensa. 

Fato histórico interessante: foi nas ruas de Sarajevo em 1914 que o Príncipe Herdeiro do Império Austro-húngaro Franz Ferdinand foi assassinado, o que foi de certa forma um dos fatos que culminaram no início da I Guerra Mundial. 

  Mostar

Fui para Mostar meio que sem muitas expectativas. Sabia que a cidade tinha sofrido bastante na Guerra é que ainda hoje é visivelmente dividida entre muçulmanos e cristãos, mas não sabia muito o que esperar. 

Chegando na cidade descobri que era como entrar em um conto de fadas. Há uma imensa e linda ponte que atravessa o rio, nos levando por ruas de pedras para mercados tipicamente árabes com suas cores e cheiros.  


Há um tour em que é possível percorrer os arredores da cidade, visitando uma mesquita encravada em um paredão de pedras e cercada por um rio de águas cristalinas. Há também um parque com uma imensa cachoeira, em que costuma-se ser muito útil para refrescar em um dos dias quentes de Mostar. Como sou sortuda, o dia que eu fui estava frio e chovendo, portanto, nada de mergulhos para mim, mas que não diminuiu a beleza do lugar.  



Há uns 30 minutos de caminhada do centro da cidade encontra-se o Partisan Cemetery, um monumento aos mortos na II Guerra que está em parte abandonado e tomado pela natureza, o que proporciona uma certa paz e quietude. No caminho havia um hotel que foi construído pouco antes da Guerra da Bósnia e nunca foi de fato utilizado, já que foi destruído durante a mesma. Quando passei pela cidade fazia pouco tempo que tinha havido um festival de graffit, então o perdia ainda continha algumas boas obras de arte. 


A vida cultural também é interessante. Há diversos bares, pubs e o mais famoso clube é o The Cave, que apesar de a música não ser exatamente a que eu mais gosto, como o próprio nome diz é em uma “caverna”. 

Pedido de aniversário


Olá, meus amigos!

Esse mês de setembro marcam duas datas importantes para mim.  

A primeira delas é de um ano e meio na estrada. 

Em março/2015 eu sai do Brasil pra realizar um sonho. Nesse meio tempo fiz o Caminho de Santiago na Espanha, morei por 6 meses na Ilha da Fantasia, também conhecida como Malta, outros 6 meses no Reino Unido, onde descobri que realmente amo Londres e que a terra do Fab4 é incrível, me arrisquei pelos Balcãs, lugar que ainda irei voltar para fazer um descente tour de carro e, no mês passado aterrissei na Rússia, lar dos tsares e da revolução.

Minha forma de viajar não é nada ortodoxa e só estou há tanto tempo nisso pelas escolhas que fiz. Em todos os lugares eu troquei trabalho por hospedagem e com isso limpei muito banheiro, arrumei muita cama, mas também pude realmente viver em cada um desses lugares e ganhei família e amigos em todos os cantos do mundo.

No momento, sinto que estou entrando na reta final da minha jornada. A mais insana e complicada parte. Dia 01/09 deixei o conforto de Moscou para me aventurar na famosa Transiberiana, a linha ferroviária que corta a Rússia de ponta a ponta. São 9.000km, 11 fusos horários, 7 dias dentro de um trem.

Já passei por Kazan e agora estou em Yekaterinburg, somando 26h de trem. Daqui irei para Novosibirsk, Irkutsk e Ulan-Ude na Russia, Ulaanbaatar na Mongólia e pretendo terminar vendo a Grande Muralha em Beijing na China.

Na China, o roteiro básico é Beijing, Xi’an, Shanghai e, se tudo der certo, Hong Kong. De lá, Vietnã, Cambodia e, como tão sonhado, Ano Novo na Tailândia.  

E assim, essa minha longa viagem chegaria ao fim e eu voltaria ao Brasil. 

Porém, depois de tanto tempo a grana está curtíssima, não terei oportunidade de trabalhar para economizar na acomodação e com o que tenho no momento não conseguirei fazer esse roteiro.  

A segunda opção seria seguir na Transiberiana até Vladivostok e de lá tentar dar um jeito de voltar para casa. Apesar de eu querer conhecer Vladivostok (tá, que lugar eu não quero conhecer, não é mesmo?), não é isso que quero fazer. Quero aproveitar que estou aqui e ir para o Sudeste Asiático que é tão complicado e caro de ir uma vez que esteja de volta ao Brasil. 

O que me leva à segunda importante data nesse mês de setembro: dia 16/09 completo 28 anos.

Estive quebrando a cabeça tentando ajustar meu roteiro ao meu orçamento e me passou uma coisa rapidamente. 

E se eu tivesse amigos que, sabendo do meu aniversario que se aproxima, estivessem desejosos de me dar um presente? Se eles sentissem falta de sair para tomar uma cerveja de comemoração, já que é o segundo ano que não podemos fazer isso? E se eles passassem em uma livraria, vissem um livro e lembrassem de mim, mas como não estou por aí não faria sentido comprar?

Sei que muitos me apoiam, que vibram com cada lugar que eu vou, que viajam um pouquinho comigo, por isso, ignorando a piada, decidi jogar muito limpo com vocês.

Preciso muito de ajuda para continuar pelos próximos 4 meses.

Então, se vocês sentirem uma súbita vontade de me dar um presente de aniversário, bem que esse presente podia ser uma pequena contribuição financeira.

Não sou muito boa com esse negocio de pedir, muito menos com pedir dinheiro, mas situações desesperadas pedem medidas criativas (acho que o ditado não é esse, mas cabe da mesma forma).

“Mas Shaula,” vocês podem se perguntar, “o que ganho dando dinheiro pra você continuar viajando?” 

Bom, primeiro minha eterna gratidão. Que hoje não compra um litrão de cerveja, mas que pode ser remediado assim que eu voltar, pois prometo pagar uma boa rodada assim que possível (e tiver uma fonte de renda, claro).

E, em segundo, garanto para cada um que me ajudar uma lembrança de algum desses peculiares lugares pelos quais passarei. Um postal, um imã, um cavalo mongol, um souvenir “made in China” ou coisas que o valham. E tirando a parte do postal, que envio com um prazer doentio, não costumo comprar presentes para ninguém, nem para mim tenho lembranças físicas dos lugares em que estive.

Enfim, sei que esse é um pedido muito, muito estranho e que a maioria de vocês tem lugares melhores para gastar seu suado dinheirinho que com uma louca nômade, mas qualquer ajuda é bem vinda e pensem em mim com carinho, fazendo cara de “Gato de Botas”, tirando uma selfie na Muralha da China. 

Caso vocês decidam me ajudar, só me mandar uma mensagem inbox que passo maiores detalhes. 

Ps.: Na condição de financiadores, vocês podem me fazer pedidos. Claro, nada muito bizarro, mas estamos abertos à negociação.

Há um um ano e cinco meses eu saí do Brasil e nesse meio tempo muita coisa aconteceu, politicamente falando.

Quando saí tínhamos uma presidenta, que apesar de democraticamente eleita, enfrentava um “terceiro turno” não previsto na constituição. A oposição derrotada, como meninos mimados que são, acostumados a terem tudo o que querem, batiam o pé e resolveram travar o país. A mídia, antiga amante e companheira da direita, prontamente se dispôs a ajudar. Esse era o quadro que se pintava em abril/2015.  

Neste quase um ano e meio venho acompanhando o desenrolar dessa história. Vi em todos os lugares o agravamento da crise, as denúncias de corrupção, as condutas coercitivas, as panelas batendo, os parentes sendo bloqueados no Facebook. Por estar longe, não tinha muito o que fazer, a não ser observar o que acontecia. 

E, no princípio do fim, acompanhei as longas horas de humilhação pública naquele circo de horrores que foi a aceitação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Entre a pura exaltação da família, da propriedade privada e do Estado, enquanto ouvia homenagens à torturadores assassinos eu comecei a entrar em desespero. 

Decidi que iria voltar. No meio da realização do sonho da minha vida, viajando pelo mundo e vivendo da forma que eu escolhi, estava disposta a voltar pois não podia aceitar ver o que estava acontecendo e não fazer nada. 

Entre meu acompanhamento obsessivo pelo o que estava acontecendo, a leitura de jornais mundo afora e conversas entre amigos, optei esperar uns dias, deixar esfriar por umas duas semanas para ver como a esquerda iria se organizar. 

E depois de alguns dias percebi que estava me iludindo e que nada iria acontecer. 

O meu desejo era que a esquerda de fato se unisse em um projeto comum, que aproveitasse o choque que foi ver a Câmara dos Deputados em todo o seu esplendor para se aproximar do trabalhador. Que usasse um momento tão icônico em prol de algumas mudanças importantes: a reforma política e a reforma tributária. Vejam, o meu desejo não era uma revolução*, mas que aproveitasse a indignação coletiva para voltar a conversar com uma classe operária que pela primeira vez observava a atuação de seus representantes eleitos e que isso pusesse a máquina em movimento. Meu desejo era ver um chamamento para greve geral, fechamento de rodovias e ocupação pública exigindo a alteração desse sistema político que nos faz de refém.  

Veja bem, meu desejo não era a volta de Dilma e do PT como se nada estivesse acontecendo, até porque o PT está colhendo o que plantou quando abandonou a tênue ligação que tinha com os movimentos sociais e se aliou definitivamente ao grande capital e ao que há de pior na velha política brasileira, o que significa que se Dilma voltasse por pressão popular ela não teria nenhuma governabilidade (guardem para sempre na memória as horas lastimáveis assistindo à TV Câmara durante a votação) e se voltasse por decisão de seus pares isso significaria um “acordo de cavalheiros” para que tudo continue exatamente como está.  

Meu desejo era que aproveitássemos a crise democrática que estamos vivendo para fazer um novo tipo de aliança com a classe trabalhadora, que nos uníssemos aos jovens estudantes que mostraram sua força na ocupação das escolas ano passado, que saíssemos da hibernação que temos vivido nos últimos tempos. 

Eu voltaria para participar disso.  

As semanas foram passando e o que vi foi o usual silêncio da esquerda e isso me desarmou. Claro, houveram algumas poucas passeatas, palavra de ordem no facebook, compartilhou-se a indignação online, mas ninguém levantou a bunda do sofá para fazer nada.  

E com o passar do tempo comecei a me sentir envergonhada. Nós, que nos dizemos de esquerda estamos tão afastados da realidade que nem em um momento crucial como este fomos capazes de dialogar com a classe operária e atuar de forma concreta.  

Simplesmente deixamos a hora passar. Sentamos e esperamos. Sabemos que o que vem é pior do que o que temos, que o golpe à um regime democrático jovem como o nosso abre precedentes perigosos e que a tendência é sempre piorar e ainda assim não nos mexemos. 

Sinto como se estivéssemos esperando pelo pior, esperando que nos tirem o pouco que temos para então podermos falar “tá vendo, eu avisei, agora chega mais, vamos conversar”, que ficamos sempre esperando que nos ataquem e nos depenem para então tomar alguma atitude. 

Eu estou longe e talvez não tenha nenhum direito de opinar, mas me sinto culpada por não estar aí para poder ajudar, ao mesmo tempo que me dói ver a inércia que domina quem está aí, pode fazer alguma coisa e ainda assim não faz nada. 

A votação no Senado ainda não acabou, mas somente por um milagre o golpe não se perpetuará. 

O que resta é perguntar: com o golpe consumado, como vamos reagir? 

Gritar palavras de ordem e andar bonitinho em fila “escoltados” pela polícia em uma manifestação dita pacífica uma porção de vezes, depois voltar para a vida normal e reclamar no facebook o leilão de nosso país ou iremos provar que nós, os trabalhadores, não aceitaremos pacificamente esse golpe e que está em nossas mãos parar o país?

* (Mentira, é claro que é exatamente esse o desejo, mas não sou tão inocente de imaginar que a revolução esteja sequer remotamente viável no momento. Vemos nossos direitos serem cortados e não conseguimos sequer convocar uma greve geral, quanto mais almejar uma revolução.)